domingo, 20 de fevereiro de 2011

Abandono Intelectual

De acordo com o Artigo 246 do Código Penal, abandono intelectual consiste em...
"Abandono intelectual - Negligência na educação de filho pelos pais ou de menor confiado à guarda de alguém, deixando de prover a ele a instrução primária, quando em idade escolar, ou permitindo que adquira hábitos perniciosos ou assista a espetáculos impróprios à sua idade. Segundo a lei penal, é crime."

Esse ano peguei duas turminhas de 1º ano, antiga C.A. (Classe de Alfabetização) e pasmem: recebi vários alunos que nunca tinha pisado antes em uma escola, crianças de 6 anos que não sabem nem ao menos segurar num lápis, que seguram os livros de cabeça pra baixo, que não identificam e nem nomeiam cores primárias, que não têm as noções de direita e esquerda, cima e baixo, frente e atrás...


A solução seria bem simples: trabalhar com esses alunos exatamente como se trabalharia com uma turma de Educação Infantil, trabalhando motricidade fina com massinha de modelar, bolinhas de papel crepom, segurando na mão de cada um para ensinar como pegar no lápis, ensinar as cores, as vogais, a escrita do primeiro nome com letra bastão, ensinar as noções de direita e esquerda etc. Mas, essa solução se mostrou inviável, porque as crianças que entraram para a escola na idade certa, que fizeram um ou dois anos de EI, não se interessam por esses ensinamentos, acabam fazendo muita bagunça e o clima em sala de aula fica TENSO! Se por um lado eu preciso dar atenção exclusiva e individual aos alunos que pela 1ª vez estão pisando numa sala de aula, eu também não posso deixar de realmente alfabetizar aqueles que já trouxeram na bagagem toda uma gama de conhecimentos e habilidades que os torna plenamente "alfabetizáveis"...
Em uma sala de aula com 30 alunos, onde metade cursou a EI e a outra metade pisa pela 1ª vez numa escola, não é de se admirar que a professora surte, pire, queira sair correndo...

Ah, e sabe aquela história de "não existe aprovação automática no município do Rio", tudo mentira, até outro dia se sabia que até o 3º ano do Fundamental a aprovação continuava sendo automática, mas como houve grande número de alunos retidos nessas turminhas de 3º ano, gerando prejuízos a receita do município, agora será até o 4º ano essa pouca vergonha! Não demora muito e voltaremos a ter todo Ensino Fundamental aprovando automaticamente alunos analfabetos... Solapando com os professores do Ensino Médio...

Aí eu pergunto a vocês: onde está o Art. 227." É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão"?

O Estado, de acordo com o art. 208 da CRFB/88, tem o dever de garantir o ensino fundamental (primeiro grau) obrigatório e gratuito. O dever do Estado é construir e prover vagas nas escolas, porém, com o grande número de alunos reprovados, as escolas ficam sem vagas para novos alunos, o que obrigaria o Estado a construir novas escolas, o que acaba saindo caro... Mas, não é mais caro ainda, em termos de sociedade, fingir que o indivíduo é verdadeiramente escolarizado? Não me parece justo que um aluno seja apenas um número, sirva apenas para engrossar as estatísticas... Nossos alunos são seres humanos, precisam de EDUCAÇÃO PÚBLICA DE QUALIDADE!

Mas como oferecer essa qualidade quando o sistema não facilita e nem provê o acesso desses cidadãos às creches e EDIs, se o sistema de ensino promove ao ano seguinte o aluno que ainda não alcançou os objetivos previstos para aquele ano, se as turmas são cada vez mais lotadass e heterogeneas, dificultando MUITO o trabalho dos professores?

Separar a turma em grupinhos, de acordo com suas necessidades e conhecimentos, só é legal na teoria, vai você, na prática, viabilizar isso... Já começa que os alunos que nunca pisaram numa escola não sabem copiar do quadro, então vamos preparar matrizes de trabalhos para xerografar, mas quando chegamos a sala dos professores para imprimir a impressora está sem tinta ou com defeito, daí imprimimos em nossas casas ou numa lan-house amiga, então descobrimos que a nossa cota de xerox daquele mês acabou, que xerox agora só mês que vem, ou temos de fazer "vaquinha" pra comprar tonner... Ah, e os alunos que sabem copiar do quadro têm preguiça de fazê-lo, cada dia sentem uma "dor" diferente, choram, pedem a mãe...

E ainda querem que o professor tenha "vida útil" mais longa, não querem nos aposentar com 25 anos de carreira... Se continuarmos assim eu vou me aposentar antes de 25 anos de magistério, serei aposentada por invalidez, pela equipe de psiquiatria do município!

PS. Tem um primo meu, com 3 anos e meio, idade de EI, conseguimos matriculá-lo numa escola do município, num CIEP pertinho de sua casa, mas ele ainda está em casa, NÃO TEM PROFESSOR(A) para a turminha dele, abriram vagas, mas não proveram professores... Onde está Ministério Público que não vê isso?!

2 comentários:

  1. Esta é a dura e triste realidade da educação brasileira. Enfim, o que faremos com esse Brasil?

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  2. Oi Fernanda, adorei o seu blog.. sou estudante de Psicologia e a 1 semana comecei como auxiliar de educação infantil (turma de 3 anos), em uma creche do meu municipio, vim até aqui, por uma postagem antiga, em que vc fala, sobre o professora e o tia, não sou professora, mas aceito as crianças me chamarem de tia e recebo criticas implicitas de outros funcionários por isso. Não acho que isso defina a relação do adulto com a criança se os limites necessários forem colocados. Acabei lendo outras postagens suas e me identifiquei muito, boa sorte.. continue com essa luz. Fique com Deus. Vanessa

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