quarta-feira, 22 de junho de 2011

Que sociedade estamos construindo? Texto para reflexão...

A educação do prazer: desde a infância?


Por João Malheiro



Diante de uma série de crimes brutais cometidos por adolescentes e jovens
de classe média ou alta nos últimos meses, é comum que muitos pais se
perguntem pelos motivos desse comportamento. Se, por um lado,
é verdade que é preciso analisar cada caso individualmente,
por outro lado é possível apontar uma tendência comum na
educação das crianças: aquela segundo a qual a felicidade
está em simplesmente procurar o prazer e evitar a dor.
É necessário educar bem os filhos para que eles descubram
as verdadeiras fontes da felicidade.



Ao depararmos nos noticiários com jovens de classe média abastados
que agem de forma cruel e infra-humana, matando, por exemplo,
pessoas da sua própria família, ou com pais que jogam o próprio
filho recém-nascido no pára-brisa de um carro por raiva, é cada vez
mais comum nos perguntarmos: o que é que está acontecendo
com a sociedade? Como é possível que um ser humano possa
chegar a semelhantes níveis de violência e insensibilidade?
O que leva essas pessoas a perder totalmente a racionalidade
e a transformarem-se em verdadeiros “bichos do mato”?

Há diversas possíveis respostas para estas indagações – sejam de
índole médico-psiquiátrica, sociológica, filosófica, religiosa etc. – e,
portanto, haveria que se pesquisar caso por caso para evitar
generalizações perigosas e superficiais. Mas acredito que em
todas elas se pode apurar que um grande parte da culpa recai
na deficiência, desde a infância, da educação do prazer. Uma
deficiência que foi crescendo, desde os anos 70, paulatinamente,
década por década, mas que, atualmente – qualquer pai e
educador percebe claramente –, vem chegando a níveis bastante
preocupantes.

Qualquer pai, educador ou psicólogo sabe por experiência que
a dificílima tarefa de educar consiste justamente em ir fortalecendo,
ano após ano, passo a passo, num grande exercício de paciência,
a inteligência e a vontade do “pimpolho” de modo que consiga que
toda a sua carga afetiva-sentimental, instintiva-passional e os
seus sentidos-gostos sejam moderados e direcionados para as
grandes metas da vida. Antes da inversão da “chave” (de “<” para “>;”),
qualquer criança viverá sob o domínio do prazer sensível e identificará
felicidade com prazer, o que é um dos maiores enganos deste
início de século. Se perguntarmos a um adolescente o que o torna feliz
ou o que ele identifica como felicidade, descobrirá que para uns será
dormir bastante e a qualquer hora, comer o que lhe der na telha e
nas melhores praças de alimentação, divertir-se com os mais diversos
recursos audiovisuais que a indústria eletrônica oferece para todos os
gostos, viajar bastante nos feriados, ir às festas mais badaladas da
noite: enfim, as alegrias materiais, fugazes, rápidas, que não deixam
muita coisa no “ser” e que, apesar de serem elementos importantes
para a felicidade, não são nem de longe o mais importante.


BUSCAR O PRAZER E EVITAR A DOR

Em outros casos, detectaremos que o jovem adolescente identificará
a felicidade com “fazer o que se gosta e fugir do que custa”: é a
dinâmica própria da velha doença dos sentimentos desvairados
que se chama sentimentalismo. Todo mundo quer e gosta de se sentir bem.
O problema não é esse. O problema está em parar nisso: em colocar o fim
da vida nisso, pois como será possível alcançar os ideais altos que todo
ser humano normal anseia, ou conseguir almejar uma capacidade
séria e forte de compromisso, somente sentindo-se bem na vida?

Por fim, outros ainda alegarão que felicidade é ficarem na sua “bolha”:
o quartinho, a caminha, a mesinha, com ar condicionado,
frigobar, computador-TV-videogame-DVD, cachorrinho, livres
dos perigos da vida... Quantas mães são as próprias criadoras
destas “bolhas”, que não passam de “câmaras” de infra-filhos,
os quais irão crescer sem anticorpos para vencer as dificuldades da vida!

Podemos observar, portanto, que toda a criança, nos primeiros
anos da sua vida, é “naturalmente” egoísta e tremendamente hedonista
(prazer pelo prazer, sem porquês, sem medidas, sem limites). Como se
já não bastasse toda esta força negativa da própria natureza humana
da criança, vem-se somando, desde os anos 70, uma outra carga
 negativa que é a força do meio em que toda criança vive.
É já lugar-comum afirmar a força que exercem hoje os
meios de comunicação – TV, outdoors, internet, filmes,
músicas – nas escolhas dos jovens e adolescentes.


A PRIMAZIA DOS SENTIMENTOS

Se fizéssemos uma exploração histórico-filosófica – aqui
daremos somente umas breves pinceladas – desde a Idade
Média até ao início do século XX, perceberíamos com muita
facilidade que os domínios da inteligência e da vontade
sempre se foram revezando na primazia: em algumas épocas,
 o grande “valor” social eram as conquistas e as guerras; em
outras, as grandes descobertas; ora o heroísmo do além-mar,
ora o mundo das idéias. Nem a inteligência nem a vontade
nunca se deixaram perder ou rebaixar pelo mundo dos sentimentos
e dos afetos. No início do século passado, influenciados tanto
por alguns filósofos que, reagindo a tanto racionalismo e cientificismo
humano, “lançaram no mercado” a supremacia dos sentimentos,
como por um rápido desenvolvimento tecnológico, que oferece ao
mundo conforto e prazer jamais imaginados pelos nossos
antepassados, a sociedade se “vendeu” ao prazer.

Durante todos estes anos, semelhante idolatria foi crescendo e
ganhando espaço e hoje – com a revolução tecnológica que permitiu
a globalização –, parece que estamos chegando perto do seu ápice.
O fato é que esta força social é a grande motivação de muitos pais
para trabalharem doze horas por dia e se matarem irracionalmente para
ganhar muito dinheiro que permita, primeiro, “ter” para curtir a vida e
mostrar aos outros que “têm”; e, depois, oferecer aos filhos aquilo
que a sociedade diz ser felicidade. Esta é a grande responsável
de que os pais poupem sofrimento aos filhos, custe o que custar, em
vez de lhes ensinar – aos pouquinhos – como enfrentar o sofrimento
e dar-lhes um sentido na hora da dor. É ela que vem induzindo o
adolescente a fazer de tudo para se “sentir” feliz de forma errada
e nociva.

O que acontece quando a força negativa da natureza da criança se
soma a essa força social? Qualquer pai ou mãe que analise
em profundidade as conseqüências nocivas que essa resultante
de forças cria, só pode e deve ficar bastante preocupado.
Perceberá que muitas delas se identificarão com algumas
das “chagas” sociais que tanto se comentam nas reportagens
dos jornais e, quiçá, se encontram na sua própria família.


CONSEQÜÊNCIAS DO PRAZER COMO FINALIDADE

Uma criança que identifique felicidade com prazer facilmente
se tornará consumista e materialista: só se “sentirá feliz” se puder
 ir ao shopping todos os fins de semana e comprar a vigésima calça
para a festa da amiguinha; terá vergonha de ir ao colégio se o pai
não tiver o carro do ano; fará de tudo, se precisar, para conseguir ter mais dinheiro.

Uma criança que é educada na dinâmica do sentimentalismo – fazer
só o que gosta e fugir de tudo o que custa – será, em primeiro lugar,
uma pessoa fraca de vontade: não terá capacidade de alcançar os
ideais altos que exigem muita garra e fortaleza e será um inconstante
infeliz; não conseguindo conquistar esses ideais e sendo “discriminado”
pela vida, com muita probabilidade tornar-se-á uma pessoa
depressiva – já chamam a depressão de “doença do século XXI”! – e imatura,
porque não consegue vaga na faculdade, no mercado de trabalho,
não é feliz no namoro, não tem alegria na vida. Para quem se encontra
num estado interior assim, passar para a violência requer apenas um pulinho.
A violência da classe média é, na maioria das vezes, reflexo da sua própria
fraqueza, construída normalmente com as facilidades e mimos dos familiares.

Por outro lado, uma pessoa fraca, depressiva e violenta – queira ou não queira –
tornar-se-á uma pessoa solitária, sem amigos e sem amores. Fica fácil entender
agora por que muitos jovens hoje se escondem – se alienam, se refugiam – nas
drogas e nas mais diversas modalidades do sexo? Por que parecem “bichos do mato”?

Por mais alarmistas que possam parecer estas considerações, é uma pena
ter de reconhecer que se trata de uma realidade muito próxima. Em todos
os exemplos anteriores, como consultor educacional e com experiência de
mais de 20 anos na área educacional, poderia citar nomes e sobrenomes
de inúmeros casos iguais ou semelhantes.


MOSTRAR ONDE ESTÁ A FELICIDADE

É necessário e urgente investirmos pesado na educação dos nossos
jovens. É preciso mostrar-lhes que a felicidade não está no prazer
desvairado e irracional, mas no prazer certo, no lugar certo, na
medida certa e com a finalidade certa. Que para isso é preciso aprender,
desde cedo, a dizer “não” a muitos desejos e impulsos. Que quando são
bem explicados, os porquês dos “não” não só não traumatizam – como já se
disse muito por aí – mas libertam, e no fundo estão dizendo “sim” à verdadeira
felicidade, à verdadeira realização, aos verdadeiros amores. Que não é
muito inteligente buscar um prazer imediato, irrefletido e animal, que conduza
depois a tanta tristeza e depressão, que duram, às vezes, por períodos longos
ou até a vida toda.

Está na hora de investir intensamente nas alegrias da inteligência, dos
valores humanos, da descoberta do sentido da vida, da cultura, das
convicções firmes. Como também chegou o momento de resgatar
o papel fundamental que tem, no equilíbrio das paixões e na harmonia
dos sentimentos, a conquista da vontade, do amor real e da verdadeira
amizade. Somente assim será possível darmos às nossas crianças
capacidade de enfrentar e superar toda a pressão interna e externa que
sofrem todos os dias; e dar-lhes a possibilidade de vislumbrar
horizontes mais humanos.




João Malheiro
Formado em Administração de Empresas pela Universidade de São Paulo
(1984) e mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(2003), com ênfase em Projeto Político Pedagógico. Atualmente é doutorando
em Educação pela UFRJ, aprofundando no tema da falta de motivação no ensino-aprendizagem e como ela pode se relacionar com a vivência e o ensino da Ética.

Um comentário:

  1. Deveríamos espalhar mais mensagens como essa, porque a meu ver a realisdade dói, mas ajuda a procurar a cura.

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