segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O turista e o peregrino

[...] HOJE, MAL UM FILHO NASCE E OS PAIS JÁ SE PREOCUPAM COM O FIM DE SUA JORNADA


O mundo em que vivemos afeta profundamente a maneira de ser e de viver de cada um de nós e nem sempre nos damos conta disso. As decisões que tomamos diariamente, as escolhas que fazemos, as interpretações que damos aos acontecimentos são influenciadas pelo contexto social e cultural. Isso quer dizer que os estilos de vida que adotamos também estão marcados pela maneira como o mundo se constitui.As metáforas ajudam a compreender melhor as transformações que ocorreram e que estão em curso no nosso modo de viver. Zygmunt Bauman, pensador contemporâneo, construiu uma que ajuda a dar sentido e a interpretar a diferença entre o modo de estar no mundo décadas atrás e agora. Para isso, ele contrapõe as imagens do peregrino e do turista. O peregrino, figura característica de um mundo em extinção, é quem escolhe viajar em busca de algo para melhorar ou dar sentido à sua vida. Em sua árdua e longa jornada, que não tem prazo para terminar, ele não tem pressa e seu trajeto importa mais do que sua chegada, que ele não sabe quando nem onde ocorrerá. Já o turista - figura marcante dos tempos atuais - viaja por diversão e com data marcada para voltar, escolhe seu destino por curiosidade ou influência do mercado de consumo do lazer e seu trajeto é apenas o modo de chegar a seu destino. Qualquer contratempo nos planos do turista é vivido de forma dramática. Vou usar essa metáfora para compreender um pouco as mudanças dos papéis de mãe e de pai na atualidade. Hoje, mal um filho nasce e os pais já se preocupam com o fim de sua jornada, que equivale a entregar o filho ao mundo para que ele viva por conta própria e com autonomia. Desse modo, pais de crianças muito pequenas procuram escolas que as preparem para o vestibular e o Enem, enchem seus filhos de atividades que os ajudem a enfrentar o futuro mercado de trabalho, programam com antecedência e em pormenores sua vida para realizar tudo o que planejaram para o filho. Pais de crianças que resistem - por seu modo de ser - a tais planos frustram-se, sentem-se fracassados, usam de muitos artifícios para tentar resgatar o caminho originalmente traçado ou desistem precocemente de sua viagem. Preparar o filho para o futuro tornou-se, por força das pressões externas, missão mais importante do que conhecer e ouvir o filho, estar com ele, construir um vínculo afetivo. Essa imagem é muito parecida com a do turista, não? Há pais que não pensam no fim de sua jornada a não ser quando constatam que ela terminou. Sabem que seu trajeto será longo e árduo, não têm pressa, encaram as vicissitudes como parte da caminhada, ligam-se mais ao filho que têm do que àquele que ele será. Esse modo de se relacionar com a paternidade tem mais relação com a imagem do peregrino, portanto. É possível escolher ser mais peregrino na vida com os filhos do que turista, mesmo com as influências que sofremos. Para isso, entretanto, é preciso refletir e resistir a muitas pressões do mundo em que vivemos.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@uol.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br

Um comentário:

  1. De fato,nossa sociedade tenta impor determinadas "regras de conduta" que se pretendem vitais para a inserção no mercado de trabalho.Falar inglês fluentemente? Até a moça do cafezinho fala inglês!Isso não basta.Mandarim é uma ótima opção.Não consegue ver o crescimento do dragão chinês? É a língua do futuro!Educação de ponta, só em uma escola bilíngue. Meu Deus, pq esse garoto não cresce logo?! ele já tem 1 mês e só quer saber de chupeta e chocalho! Será que ele não enxerga o sacrifício que fazemos para garantir um futuro seguro. O plano de previdência privada já está assegurado, mas esse moleque não entende que tem que virar adulto logo....!Minha filha é muito parada. Como ela consegue ser tão alienada assim? O índice Dow Jones está nas alturas, a crise econômica explodindo e essa criatura que já tem 4 anos só quer saber de Barbie?!Deus, o que foi que eu fiz pra merecer isso? Preciso de um analista, já! Pensando bem, não há nada de errado comigo.Quem precisa de análise é ela! Ah...turistas!

    ResponderExcluir